Revisa que eu gosto!

Há algum tempo trabalho com a Bianca Bold para um cliente. Em alguns projetos eu traduzo e ela revisa, em outros é o inverso. O cliente sabe que nos conhecemos (foi ela quem me indicou pra eles), então deixa o canal aberto. Costuma até dizer “troquem arquivos entre vocês, só me mandem uma cópia pra eu saber a quantas andam as coisas”.

Pois bem… Um desses projetos é contínuo, todo mês tem alguns arquivos. Projeto interessante, textos de marketing com trocadilhos frequentes, piadinhas, texto que precisa fluir bem e soar bem em português.

Levei um choque quando vi os primeiros arquivos revisados, lá no começo do projeto. Eu achei que tinha mandado bem, mas voltou tudo marcado em vermelho! Passado o susto inicial, fui ver as correções. Algumas pisadas de bola corrigidas, várias alterações que melhoravam muito o texto. E aí eu percebi o quanto tinha a “mão dura” de tanto só traduzir textos mais técnicos.

Costumo mandar os arquivos bicolunados do memoQ, e invariavelmente usamos o campo de comentários pra “conversar”. E sempre vem um comentário sobre por que mudou uma coisa aqui e outra ali, ou sugestão de como poderia ficar melhor.

No projeto deste mês, percebi bem menos correções. Estou aprendendo!

Enfim… tudo isso é só para agradecer à Bianca e a todos os revisores que me ajudam, todos os dias, a melhorar cada vez mais meu trabalho.

Um bom revisor não compete com o tradutor para ver quem é o melhor ou quem sabe mais. Corrige, puxa a orelha (e já puxaram muito a minha!), sugere alternativas, melhora o texto. Não troca seis por meia dúzia só para dizer que fez alguma coisa. Não tem medo de dizer “este texto está bom, não preciso mexer muito”. Elogia o tradutor bom e critica o tradutor ruim.

A parceria entre tradutor e revisor é positiva para todos, inclusive para o cliente (tanto agência quanto cliente final). Quando o cliente percebe isso e abre o canal de comunicação para que o tradutor e o revisor troquem ideias, todos saem ganhando.

Spam tradutório

Costumo receber CVs de tradutores por e-mail, apesar de nunca ter agenciado nenhum projeto nem dar a entender nada parecido aqui no blog, nem em nenhum outro lugar.

O que muitas vezes acontece é precisar indicar alguém para o cliente porque não entendo do assunto, não trabalho com um determinado par de idiomas ou não tenho condições de aceitar o projeto, por algum motivo, mesmo sendo da minha área e idioma. Mas, nesse caso, obviamente vou indicar alguém que eu conheça, que saiba que é um tradutor pelo menos razoável. Não vou indicar alguém cujo trabalho eu não conheço, que eu não sei se é confiável, pontual. Eu é que não vou me queimar com o cliente! O máximo que já fiz foi pedir indicação a colegas, a pedido do cliente, e repassar o contato com a ressalva de que não conheço, mas foi bem indicado, e que o cliente deveria fazer um teste com o tradutor antes.

Eis que hoje chega um e-mail de uma portuguesa, se oferecendo como tradutora no par português (europeu)-francês e se dispondo a fazer um teste. Fico me perguntando onde ela conseguiu meu endereço. Em todos os portais, e mesmo na minha assinatura de e-mail, sempre coloco o endereço aqui do site (e, antes, do blog no Blogger). Tivesse ao menos se preocupado em clicar no link, veria que não trabalhamos com os mesmos idiomas. E certamente perceberia que não sou agência, sou só tradutora.

Sim, eu também garimpo clientes na internet. Acho que todo tradutor faz (ou deveria fazer) isso. Mas olho os sites um a um, vejo se o cliente em potencial trabalha com os meus idiomas, se atua nas minhas áreas de especialização, que tipo de clientes atende, se anuncia seus preços no site. Porque se ele anunciar um preço próximo ao que eu cobro, nem vale a pena mandar CV. Com certeza não vai querer pagar o meu preço.

Então, fica a dica: garimpo de clientes sim, spam tradutório, não. Até porque passa a impressão (ou, dependendo do caso, a certeza) de que você não pesquisou antes de mandar o e-mail. Ou que abriu o site, leu mas não entendeu o que leu. E, para um tradutor, não sei qual primeira impressão, dentre as duas, é a pior.

O que é essencial em um tradutor?

Sempre ouço a pergunta: o que é preciso para ser tradutor? Resolvi listar algumas habilidades que considero básicas para quem quer sobreviver e crescer no mercado de tradução.

  • * Apesar de precisar de um bom vocabulário, tradutor não é dicionário. Não precisa conhecer todas as palavras do inglês (ou qualquer que seja sua língua de trabalho) nem do português (ou sua língua nativa). Precisa, sim, saber onde encontrar a informação de que precisa.
  • * Não precisa ser especialista no assunto, mas precisa entender o texto original. Principalmente no começo da carreira, os tradutores não são especialistas em uma nenhuma área. Mas pense bem: se o original não faz sentido para você, como sua tradução pode fazer sentido? Quem não entende o original não consegue traduzir direito. Ponto.
  • * Consequência do anterior: a tradução PRECISA fazer sentido para o público-alvo. A terminologia precisa estar o mais correta possível, ou o usuário final da tradução com certeza vai estranhar. E isso não é bom.
  • * Tradutor precisa saber pesquisar. E gostar de pesquisar. Porque, em última análise, é o que mais fazemos o tempo todo. Se não gostar de pesquisar, aconselho procurar outra profissão.
  • * Apesar de ter uma profissão solitária, o tradutor precisa de contatos. E os melhores contatos para futuros trabalhos são os colegas. Portanto, o tradutor precisa saber se comportar nas diversas redes sociais. Caso contrário, pode estar se queimando no mercado sem nem perceber.
  • * Dizem que a tradução é uma arte. Em alguns casos eu concordo, mas tradutor não é artista, é prestador de serviços. Tradutor tem que ser empresário. Tem que consultar o crédito do cliente novo na praça antes de começar um projeto e saber como cobrar caso não seja pago no dia combinado.
  • * Conhecer as ferramentas de tradução. CAT, programas auxiliares, mecanismos de pesquisa na internet. Saber usar muito bem o Word. Os tempos da tradução manuscrita ou datilografada acabaram no século passado, e quem não se atualizar certamente vai ser excluído do mercado, cedo ou tarde (mais cedo do que tarde, acho eu).

É muito provável que eu esteja esquecendo de alguma característica básica e essencial para ser tradutor. Se eu lembrar de mais alguma, incluo depois. Se você souber de mais alguma, por favor me conte.

Você não precisa se certificar o tempo todo

Há alguns dias o colega João Vicente de Paulo começou no twitter uma discussão sobre a tradução de “make sure“, em inglês, sempre como “certifique-se de“.

A rigor, não está errado. O problema é traduzir sempre da mesma maneira, no piloto automático. O texto acaba pesado, não se parecendo com o português que nós usaríamos no dia a dia.

Esta semana, comentei no twitter que consegui traduzir um manual de 37 páginas sem usar o “certifique-se de” nenhuma vez, e me perguntaram quais soluções eu usei.

Então, vamos lá. Antes de mais nada, vale a pena copiar o verbete do Vocabulando:

make sure, be sure

cuidar, certificar-se, exigir, garantir, lembrar-se, procurar, providenciar, tratar de, ter em mente, ter certeza, não se esquecer, não deixar, fazer questão de, tomar cuidado, prestar atenção

* Be sure to perform three repetitions. > Cuidado / Atenção: Repita o exercício três vezes.

* Be sure to lock the door. > Lembre-se, preste atenção, tome cuidado, não deixe de, não se esqueça de fechar a porta.

* I’ll make sure of it. > Vou cuidar, providenciar, tratar disso. / Não vou esquecer.

* Make sure the shop gives you a receipt. > Exija, faça questão do recibo.

* Make sure you understand the rules. > Procure, faça questão de compreender bem as regras.

No caso dos manuais de instruções, também podem ser usadas outras opções. Usando um exemplo tirado da minha memória de tradução:

Make sure the terminals are properly tightened.

Verifique se os terminais estão corretamente/devidamente apertados.
Confirme se os terminais estão apertados corretamente.
Os terminais devem estar apertados corretamente.

Não vou dizer que “Certifique-se de que os terminais estejam corretamente apertados” está errado. Não está, de maneira nenhuma. Não façamos com o “certifique-se” o que andaram fazendo com o gerúndio, perseguir de tal forma que, mesmo estando correto, as pessoas ficam com medo de usar.
A ideia, aqui, é ter outras opções, para que o texto flua bem, sem cara de tradutorês.

Mesa-redonda sobre tradução – Prêmio União Latina 2010

Se você, como eu, não conseguiu ir até a Bienal do Livro para assistir à mesa-redonda do Prêmio União Latina de Tradução Especializada, eis sua chance.

A União Latina colocou no YouTube a mesa-redonda dividida em seis vídeos, que eu reuni em uma lista de reprodução.

Participaram da mesa: Denise Bottmann, Ivone Benedetti, Francis Henrik Aubert, Maurício Santana Dias e Adauri Brezolin.


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